Bispo Sumio Takatsu faleceu há 15 anos, desde então, tenho encontrado pessoas de várias denominações cristãs que me contam que estudaram com ele ou seus textos e o admiraram muito. Eu tenho o privilégio de poder dizer “ele era meu tio”. Sumio Takatsu era meu tio, irmão mais velho da minha mãe.
O privilégio de tê-lo como tio para mim não é tanto pelo teólogo que ele foi, mas pela pessoa e pelo tio que ele foi. Tenho muitas saudades do tio atencioso e cuidadoso. Muitas lembranças me veem a memória, mas algumas me parecem aprendizados importantes mencionar nestes tempos que estamos vivendo.
Muita gente admirava Bispo Sumio Takatsu por seu conhecimento teológico e ainda hoje bebem dos seus escritos, outros, porém, diziam que não entendiam seu sermão. Sim, seus sermões não eram para qualquer ouvido desatento. Mas não há quem não tenha aprendido com ele, se suas palavras não atingiam a todos, com certeza sua atitude sim.
Em qualquer discussão mais polêmica nas reuniões familiares, ele sempre escutava atentamente, ponderava antes de dar sua opinião e sempre a apresentava calmamente. Não importava qual assunto fosse: igreja, política ou familiar, com meu tio jamais viraria briga ou disputa de pontos de vista. Claro que como ele refletia antes de responder, seus argumentos eram mais bem embasados, mas nem por isso ele fazia sua colocação como um ponto final no assunto. Nas famílias, no trabalho, nas igrejas, com que nos aliamos ou com que tem um ponto de vista diferente, o que é necessário é escutar com atenção e respeito, ter calma para refletir e responder e manter o diálogo construtivo.
O respeito e a escuta atenta meu tio também praticava com seus alunos. Uma vez assisti a uma aula que ele ministrou aos seminaristas. O que mais me encantou naquela aula, não foi o conteúdo, que era muito interessante, mas a atitude do meu tio. Ele acolheu todas as participações dos alunos, em nenhum momento ele disse ao aluno que ele estava errado ou equivocado. Nem mesmo quando até eu tinha certeza de que a pessoa tinha dito uma bobagem. Ele convidava a pessoa para ver de um ângulo diferente ou levar em consideração alguma questão que havia deixado de fora.
Não era uma tática para que o aluno não criasse uma barreira por se sentir criticado. Claro que funcionava para isso também, mas era sim porque meu tio tinha um profundo respeito pela outra pessoa que era como era e que estava lá para construir seu conhecimento. Entre professor e aluno há uma hierarquia, uma relação de poder. O mestre estava lá não para corrigir, mas para ajudar o aluno ver outras possibilidades de leitura, de interpretação, de caminho. Essa foi uma atitude de profundo amor e respeito ao outro, que eu que busquei incorporar anos depois quando fui dar aula em uma escola.
Apesar de professor, de já estar aposentado como bispo diocesano, Bispo Sumio nunca deixou de estudar. Acho que posso dizer que ele era um homem curioso e tinha e vontade de aprender e sempre adiantado. Lembro que no tempo em que quase ninguém tinha um computador no trabalho e muito menos em casa, ele já tinha o seu computador pessoal. Quando muitos de nós estávamos aprendendo a enviar e-mails, ele já estava comprando livros pela internet. Quando meu tio faleceu, pensei que encontraria pilhas de livros em seu pequeno apartamento, mas não, encontramos o fichamento de centenas de livros que ele efetivamente leu e refletiu sobre eles. Os livros seguiam para outras mãos e olhos que poderiam se beneficiar de sua leitura.
Através da internet ele também era encontrado. Há alguns anos, uma jovem reverenda me contou que sempre que precisava de referências bibliográficas para seus estudos escrevia para o Bispo Sumio e ele a auxiliava na sua busca. Se ele não tivesse a resposta de imediato, pesquisava e retornava para ela. Ele era uma pessoa tímida, mas estava sempre disponível para quem o procurasse.
Uma vez também na paróquia onde frequento ele foi interpelado por duas pessoas que discordavam sobre um assunto. Qualquer resposta que ele desse seria aceita pelas pessoas, entretanto, ele pensou um pouco e respondeu que iria pesquisar o assunto. Creio que levou duas semanas e ele retornou com o que ele havia encontrado.
Sei que Bispo Sumio colaborou em muitas reflexões da igreja sobre ordenação feminina, comunhão para crianças e outros temas. Nos últimos anos, ele estava estudando também a questão da sexualidade. Ele não só estudava a bíblia, mas também lia artigos científicos, notícias, em suma, era bem informado. Apesar disso, nunca o escutei falar como se fosse autoridade sobre determinado assunto, ao contrário, ele partilhava com humildade um saber que ele construiu com muita dedicação a pesquisa e reflexão. E nesse gesto ele convidava a um diálogo.
Apesar de meu tio ser uma pessoa tecnológica, tenho certeza de que estivesse vivo faria parte do EAD, utilizaria Whatsapp e provavelmente estaria experimentando alguma novidade e a maioria de nós só iria começar a utilizar depois, ele valorizava o encontro presencial. Ele os insistia que não bastava estudar tudo sobre o anglicanismo para se tornar um anglicano, era preciso participar de uma comunidade, era preciso conviver com os outros. Aprender a escutar o outro, respeitar pontos de vista diferentes, estar aberto para dialogar sem querer determinar verdades absolutas não se aprende em livros, nem sozinho, o jeito de ser anglicano se aprende na relação com os outros. Infelizmente, não podemos mais conviver com meu tio, com o Bispo Sumio Takatsu, mas espero que seu exemplo possa continuar reverberando através das pessoas que conviveram e aprenderam com ele.
Christina Takatsu Winnischoffer, Diocese Anglicana de São Paulo.